quarta-feira, 8 de junho de 2016

A casa da minha infância hoje é um Alojamento Local

No Nordeste, vivi numa casa bastante grande, com um quintal ainda maior. Ficava na Rua da Boavista, 3. O nº de telefone era o 488 325. Nunca mais me esquecerei...
A casa sempre foi da minha família, desde o tempo dos meus bisavós (pais da minha avó) e não sei se antes disso já era da minha família... Portanto, uma casa centenária! Tinha 6 quartos, 1 quarto da máquina de costura, 2 cozinhas, 1 quarto de jantar, 1 sala, 2 wc, 1 quarto para a máquina de lavar e tanque. Havia uma casa atrás "fora da casa" que chamávamos "casa das batatas", onde se guardavam as batatas e montes de outras coisas (madeiras, materiais de construção, e sei lá que mais...), ao lado uma mesa de cimento feita pelo meu pai (verdade!!!) que ficava por baixo de uma latada de uvas brancas. Em frente da casa havia um aquário (quase piscina, onde muitas crianças caíram porque corríamos à volta dela, na brincadeira, e pimba mais um que levava vestido um dos meus fatos de treino para casa) e uma outra casinha que era onde a minha avó colocava todas as suas plantas (e ela sempre teve muitas!!!). Na parte de cima da casa havia um sotão, que cobria toda a casa praticamente, que era um quarto único gigantesco, onde estavam 3 camas antigas e muitos baús da minha avó (que guardava sempre tudo!). Na parte debaixo da casa havia uma garagem para 2 carros. 
O quintal era dividido em 6 ou 7 terras separadas por arbustos para proteger das intempéries que por lá fazia. Mesmo por detrás da casa havia uma araucária gigante (nunca passei do 2º anel... o meu irmão sim, chegou mais longe para cima, mas também caiu dela e só não se magoou a sério porque Deus o deve ter segurado de alguma forma!). Havia também um curral e um galinheiro. Lembro-me de ver galinhas e porcos lá, mas apenas em rasgos de memória (devia ser muito pequenina!). A verdade é que me lembro bem é deles vazios. No quintal existiam batatas, couves, abóboras, árvores de fruto (laranjeiras, bananeiras, limoeiros, tangerineiras, pessegueiros, figueiras...) e sei lá mais o que havia, mas sei que havia de tudo um pouco lá naquele quintal que era todo (todo mesmo!) tratado pelo meu avô. Às vezes o meu pai ajudava-o, mas não me recordo dele estar lá sempre quando o meu avô estava...
Lembro-me que na terra onde estava o pessegueiro, a erva que havia por baixo da árvore era muito fofinha e adorava deitar-me na erva e olhar para o céu, ouvir o silêncio. Lembro-me que o acesso para a terra onde estava a tangerineira (a minha preferida!) não era fácil, por isso, quando eu e os meus amigos não tínhamos muito que fazer, eu sugeria irmos "assaltar" o meu próprio quintal!!! Era a minha veia de ladra a falar mais alto! :)
Lembro-me do meu quarto. Antes de ser o meu quarto era a mercearia/café do meu bisavô (que não cheguei a conhecer), mas lembro-me de ver a mercearia toda lá. Depois desfizeram-na para fazer um quarto para mim e para o meu irmão (que fosse próximo do quarto dos meus pais, ao lado mesmo).
Lembro-me de fazermos o presépio à entrada de casa, com pedras e musgo e um lago para os patinhos. Ainda era grande e era uma atividade muito divertida que fazíamos com a minha mãe. A árvore ficava no quarto de jantar...
Lembro-me de ir para a varanda e ver o mar lá ao longe, azulinho no verão e cinzento no inverno. Lembro-me que às vezes víamos os barcos passarem e outras vezes eram seres estranhos que mesmo com os binóculos não conseguíamos saber o que eram, mas deviam ser baleias ou outros peixes gigantescos do mar... Tínhamos uma vista panorâmica, mesmo!...
Passávamos a maior parte do tempo no quarto de jantar, que, além da mesa onde jantávamos nas festas, tinha um sofá e um cadeirão, onde eu me sentava para ver os desenhos animados, que só dava acho que às 18h, salvo o erro... Também era no cadeirão que nos sentávamos (eu, o meu irmão e o meu primo Ruben (que até certa altura viveu connosco!) quando terminávamos de tomar banho, para a mãe dele nos cortar as unhas (era um momento muito doloroso para nós, pois ela cortava-as bem curtinhas!).
Não costumávamos ir muito para a sala em família, mas eu ia muito, pois de uma estante em vimes que a minha avó lá tinha, adaptei-a para ser a casa das minhas Barbies e Barriguitas. A parte de baixo da estante era a garagem e depois cada divisória era uma área da casa delas. Era lá também que ouvíamos música. Havia uma aparelhagem com gira discos daquelas muito antigas e alguns discos também... Mais do que sala, era o quarto dos brinquedos... Lembro-me de estar lá a brincar e o meu avô estar no seu quarto, que ficava mesmo em frente, a ver-me brincar e cheio de dores, por ter sido operado a uma hérnia, ter dito "agora só quero ficar doente para morrer!" e assim foi... :(
Normalmente comíamos na cozinha ao fundo do corredor... Era lá que a minha avó e a minha mãe cozinhavam e nós comíamos sempre juntos (sempre!), principalmente ao jantar porque como o meu avô era condutor de autocarros, às vezes ia para Ponta Delgada o dia inteiro e não conseguia almoçar connosco.
Lembro-me de brincar muito no quintal. Muito mesmo! De irmos para a casa uns dos outros pelos quintais. De explorar terreno. De fugir das "Pevides", umas senhoras solteiras que tratavam as suas terras e não queriam que as crianças fossem para as terras delas... Nós achávamos piada e íamos! :)
Quando vendemos a nossa casa tive muita pena, mas sei bem que não havia outra solução. A minha avó não ia ficar sozinha naquele casarão e o meu pai e tio não queriam ter uma casa daquele tamanho no Nordeste. Passados alguns anos, cheguei a dormir lá a lastro (pedi a chave à pessoa que ficou com ela!) juntamente com um grupo de amigos, aquando uma festa que organizamos lá perto. Foi uma sensação muito estranha. Estar na minha casa que já não era a minha casa. Por volta de 2012 fui ao Nordeste passar uns dias e, como era inverno, não havia muito que fazer, passámos lá e tudo estava ao abandono. Consegui entrar por uma das portas, que estava praticamente partida, e foi muito triste ver o que vi: uma casa completamente abandonada. Vidros partidos, tudo a cheirar a humidade, abandono completo mesmo...

Hoje a "nossa" casa é um Alojamento Local. Chama-se Repuxo da Baleia. Parece-me bem gira e familiar. Desejo muito sucesso aos proprietários e que possam fazer daquele espaço, que é especial, uma linda recordação para quem os visita.

Um dia quero dormir lá. Quero voltar a dormir na casa que já foi minha, onde vivi toda a minha infância, onde fui feliz... Quero acordar e ver o mar todo aos meus pés, tal como via todos os dias ao acordar...

Hoje ela é assim:




2 comentários:

  1. Adorei ler este texto, que bela história! :) Retrata uma infância muito feliz!

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