terça-feira, 28 de junho de 2016

O meu avô Manuel Jacinto

Ele era condutor de autocarros. Toda a gente conhecia o Sr. Manuel Jacinto. Era alto e forte. Tinha o cabelo grisalho e fininho. O nariz dele era torto. Os olhos eram verdes, maravilhosos. Era bem disposto e muito brincalhão! O seu sorriso era reconhecido à distância. Era um sorriso muito particular. Era muito trabalhador. Sempre me lembro de o ver a trabalhar no quintal ou a conduzir o autocarro. "Intenicava" muito connosco. Para ele sorrir era vê-lo a "intenicar" com alguém: era com os netos, com os meninos da escola que ele transportava todas as segundas, quartas e sextas. E eu, normalmente ia com ele. Lembro-me de ir com ele levar os meninos da Fazenda primeiro e depois regressava à escola para ir buscar os meninos de S. Pedro e de Santo António. Ele brincava com todos os meninos e não havia um sequer que ele não brincasse e nenhum nunca lhe faltou ao respeito. "Ele era grande" deviam pensar eles! :P Lembro-me que depois de ir levar os meninos da Fazenda eu ficava a correr pelos corredores do autocarro e experimentava todos os bancos para ver qual deles gostava mais... Muitas vezes sentava-me no banco do meio lá atrás e ele ficava a ver-me pelo espelho. Nessa viagem íamos sempre cantando a música "Teresinha de Jesus", é a música que mais me faz lembrar do meu avô...
Ele nunca foi uma pessoa doente. Nunca me lembro dele doente exceto 2 vezes: uma das vezes quando foi operado à hérnia e a outra vez quando, infelizmente, ele morreu...
Ele adorava futebol. Não havia jogo do Nordestinho que ele faltasse. Mas em relação aos "grandes" continuo sem saber se ele era do Sporting ou do Benfica. É o que dá ser muito brincalhão! E não se deve brincar com coisas sérias como esta. :)
Ele era um homem sério. Não devia nada a ninguém. Não guardava rancor de ninguém (pelo menos que eu me tenha apercebido!). Era um bom homem. Nas cheias de 1988 (salvo o erro a data!), quando ambas as pontes que serviam de acesso a Santo António, caíram, Deus não permitiu que o meu avô caísse numa das pontes, na do Espigão. Ele viu que o chão estava a mover-se e, no mesmo instante fez marcha atrás com o autocarro. Outro senhor não viu o mesmo que ele e caiu da ponte abaixo, acabando por morrer. Foi o meu avô que o puxou debaixo do camião onde ele ia e onde permaneceu alguns dias. O meu avô foi um excelente pai. Também foi um bom marido (que eu saiba e tenha visto!), pois cedia a todas as vontades da minha avó. Normalmente, todas as férias dele viajavam pelo mundo fora. Trabalhou uma vida inteira. Reformou-se um ano antes de falecer. Nesse ano, foi à Bermuda, Estados Unidos e Canadá. Viu toda a gente da família como se estivesse a despedir-se de cada um.
Um dia, começou a sentir-se cansado... os médicos no Nordeste disseram-lhe que era gripe(!!!). No domingo, como era "gripe", ajudei-o a escolher uma camisola quentinha que dissesse com o fato de treino azul que ele usou para ir ver o jogo do Nordestinho. Sentia-se ainda mais cansado e inchado. Na terça-feira, o Dr. Roberto passou lá em casa e disse-lhe que era do coração e mandou-lhe para o hospital urgentemente. Ele só foi na quinta-feira seguinte. Nas urgências ficou de quinta-feira para sexta-feira, lá sentado numa cadeira, ao abandono, quando o passaram para a enfermaria. O médico que lhe deram foi o Dr. Henrique de Aguiar, que tinha ido passar o fim-de-semana às Furnas. Por nem lhe ter visto, os enfermeiros não lhe podiam aplicar qualquer medicação. Só estava a levar oxigénio. Ele faleceu na noite de domingo para segunda-feira, dia 31 de Janeiro, depois de ter sabido que o Nordestinho tinha ganho o jogo de domingo, e depois de se ter despedido de cada um de nós. Se fechar os olhos, ainda consigo sentir o beijo que ele me deu na cara. O seu último beijo. Há 24 anos atrás...

Hoje ele faria 90 anos. Podia muito bem estar vivo, tal como a minha avó está...




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